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SODINU : UNIDOS

23.02.11

Um conto da minha autoria... 


Da janela, talvez do 250ª andar, do hospital que em vez de me salvar a vida a tornara ainda mais miserável, observava a demência da sociedade em que vivia. Tínhamos criado a cura para todas as doenças que em séculos anteriores espalharam morte pelas terras que hoje surgem submersas por um infinito oceano. Um manto quase divino que veio para fazer-nos esquecer da guerra que dizimara o mundo. Chamaram-na de Sodinu a cidade continente, a única no mundo, construída das cinzas pelos sobreviventes. Ela era a última oportunidade da humanidade.

Da esperança, que alimentou centenas de sobreviventes famintos, pouco resta. Lentamente tornou-se num lugar negro, podre até ao seu último feto.

A gota de água que veio abalar o seu destino incerto foi uma miraculosa vacina que até à poucas horas fazia de mim o único mortal. Não que tenha sido o único a opor-me, era apenas o último.

- Frank Aeterno’nu ?

- Sim?

- Martha Dias’nu, repórter do Jornal de Sodinu. O que tem a declarar, agora que deixou de ser o último mortal? -  Prenunciou vogal a vogal como se tivesse receio que o homem de barba por fazer, em tronco nu colado à janela não a compreendesse.

- Sai-a! – Vociferou de uma forma quase grotesca.

- O que vai fazer com a sua nova vida? Não se sente livre? Agora que a morte já não faz parte do seu futuro? – Não conseguiu deixar de mostrar entusiasmo na última parte, mesmo sendo ele.

- Nunca ouvi maior barbaridade... – Murmurou. - Foraaaa!

- Miss Dias’nu, por favor deixe o Senhor Aeterno’nu repousar, está a viver um momento muito estranho para... – Fez uma pausa. - O seu tipo de mentalidade.

- O meu tipo de mentalidade? E o seu? Em vez de salvar vidas tornas inúteis, já olhou à sua volta? São como plantas, ninguém faz nada nem ninguém quer fazer nada. Parecem porcos, de tanta gordura. Isto parece-lhe a condição de uma sociedade sã? - Virei-me na direcção da voz do médico que encontrei na ombreira da porta, atingindo-o com todo o meu ressentimento.

O médico ficou sem resposta enquanto que a repórter limitou-se a carregar no REC de um pequeno aparelho de gravação que vinha a empunhar de mão estendida desde que entrara no quarto; era uma novata.  

- Olhe bem Sr. Aeterno’nu, Sudinu é uma cidade fantástica. Temos feito enumeras descobertas que tornaram a condição humana quase divina – os seus olhos brilharam. – Hoje em dia pouco ou nada somos incapazes de fazer e...

- Aquela mulher ali – apontei para o prédio em frente. – Está a ver?

- Sim – disse antes de sequer olhar, demonstrando pouca paciência.

- Chama-se Vilma Hamps’un, em tempos foi das mentes mais brilhantes alguma vez conhecidas, foi ela que descobriu a partícula de Deus, a fonte de energia que hoje usamos para alimentar Sodinu – continuei após olhar de soslaio para o médico. – No seu último ensaio intitulado “A morte de Sodinu” diz:” Foi depois de ver e sentir o poder da imortalidade que percebi o enorme erro que cometera ao achar-me  melhor que Deus. Se ele não nos deu tal poder foi porque sabia que nunca seriamos capazes de lidar com ele. E também porque, talvez, por experiencia própria soubesse que não era uma dádiva mas uma maldição.” Ela foi das primeiras a admitir o erro que cometemos. Calada pela força do Governo e ignorada pela sociedade, de merda, em que vivemos vê a única saída num deus divino que lhe concederá a morte por clemência.

- Lamento ouvi-lo. Algumas pessoas não se conseguem adaptar é normal, somos todos diferentes...

- Pobre coitada está condenada a uma vida de espera... – Suspirou a jornalista.

- Não acredita num Deus? – Dirigi-me para a repórter.

- Claro que não, um dos grandes avanços científicos alguma vez atingidos foi o dia em que se pôde provar com provas físicas e concretas de que o Deus Cristão como todos os outros não passavam de histórias inventadas com o objectivo de manipular os analfabetos. Só mesmo o senhor para acreditar –levantou o queixo como se quisesse fingir ser mais alta que ele.

- Eu não acredito num Deus físico, tenho fé.

- Fé em quê?

- Simplesmente.

Nessa mesma tarde, recolhi as poucas coisas que trazia comigo quando fui internado e sem a alta médica deixei o hospital.

Em vez de seguir para casa dirigi-me à cede de Segurança Pública onde fui atendido por um agente que depois de ouvir vários insultos cedeu a ir chamar o seu superior, um Sargento de meia tigela.

- Ouça de uma vez, que eu não estou para atorar maluquinhos a cinco minutos de terminar um turno de 6 horas, ou me desampara a loja bem caladinho ou ponho-o na cela mais escura e recôndita que temos e olhe que soa muito melhor do que na verdade é.

- Eu tenho o direito de reclamar...

- Merda para o homem! – Levantou os braços frustrado. – Agente Pires’nu?

- Sim, chefe?

- Sabe o que tem a fazer – disse já de costas.

Sem expressão facial, o agente que atorara os meus gritos saiu detrás do balcão num passo, no seguinte agarrou-me pelo braço direito puxando-o para trás e sem que conseguisse reagir fez o mesmo ao esquerdo algemando-me com uma facilidade que me fizera parecer um boneco.  

O sargento não mentira mas também não fizera justiça à imundice que caracterizava aquela cela, só faltou ter ratos como companhia.

- Justiça – cuspi para o chão. – Uns grandessíssimos filhos da puta é o que eles são.

Nas primeiras cinco horas andei de um lado para o outro certo de que a qualquer segundo um guarda surgiria no corredor para me libertar. Com o passar de mais cinco horas e depois de uma refeição difícil de descrever, comecei a gritar mas isso só me valeu uma admirável quantidade de insultos, por parte de outros reclusos.

No tecto um relógio com mais de um quilometro de diâmetro servia de clarabóia para toda a ala. Com recurso ao eco derivado da forma cilindra da ala com mais de duzentos andares, o mecanismo do relógio era audível em qualquer centímetro quadrado. E por isso o tempo ali apesar de correr à mesma velocidade do que em qualquer outro sitio parecia quase parado, visivelmente uma forma de manipular e enlouquecer os prisioneiros. Um artifício para uma humanidade despreocupada com o tempo.

Mesmo depois de chegar a esta conclusão, não consegui deixar de seguir obsessivamente o som seco do mecanismo.

- Homem tenha calma ainda agora chegou...

Assustei-me, há alguns minutos que gemia incessantemente.

- Quem fala? – Aproximei-me das grades.

Uma mão estendida vinha da cela do lado, aproximei-me e também estiquei a minha para o cumprimentar.

- Jeff Campbell

- Frank Aeterno’nu. Porque é que o seu nome não termina em nu?

- Não sou desse tempo...

Parei por momentos (em Sodinu todos tinham nu como última sílaba do apelido em homenagem à cidade) para contar os anos que o desconhecido teria que ter.

- Duzentos e trinta e sete anos, é nisso que está a pensar não é verdade? – Não esperou por uma resposta. – O mundo aborrece-me sabe? É tudo tão obvio, as pessoas são tão obvias...

- Não percebo...

- Foi o meu avô quem inventou a vacina, durante mais de um século permaneceu em segredo no seio da nossa família, mas depois de várias gerações incapazes de envelhecer, como pode deduzir, as pessoas e mais precisamente o governo começaram a achar estranho. Acredita que durante todos esses anos a desculpa da minha família era “os genes” – riu-se. – Ainda hoje não consigo perceber como levaram tanto tempo para descobrir... 

Fiquei parvo, durante vários segundos, a olhar para a parede que nos dividia. Não conseguia acreditar.

- Então homem, morreu?

- Estou...

- Extasiado? Eufórico?

- Não, não classificaria de euforia – fiz uma pausa. – Nem...

- Homem, não se esforce. Diga-me antes porque é que aqui veio parar, isso talvez seja mais interessante de ouvir.

- Talvez encare como um insulto, mas vim à esquadra queixar-me do hospital, porque... – Sentei-me no chão, encostado as grades.

- Isso não me chateia nada, até acho muito bem, que encham estes filhos da mãe de papelada e gatinhos nas arvores que é para isso que pago os impostos, ou neste caso paguei – riu-se. – Sabia que os presos não pagam impostos? Mais comida, roupa lavada e cama para dormir, se o serviço de quartos limpasse a retrete mais vezes até que não ficava longe de um bom hotel...-interrompeu-se. - Mas conte-lá...

- Porque me administraram a vacina.

- Não posso crer! Era você o último mortal? Sempre quis conhece-lo; não deve saber mas há mais de oitenta anos que me fecharam aqui e desde então o meu único luxo é ler esporadicamente o jornal que um dos guardas me deixa juntamente com o almoço, pago 65 sois por cada página uma fortuna se quer saber! E ainda por cima ainda reclama, o filho da mãe... Mas diga lá, quais eram as suas razões?

- Já viu como as pessoas encaram a vida? Preciso de mais razões?

- Vi, mas o que os outros fazem com a sua imortalidade pode ser muito diferente do que você fará com a sua...

- Está enganado, é tão certo como um mais um são dois. Mas ainda gosta de ser imortal? Mesmo depois de todos estes anos?

- Porque é que não haveria de gostar? O meu único alento ainda é esse; saber que um dia sairei destas paredes nem que seja quando elas ruírem!

- Por acaso o seu avô nunca fez uma cura? – Perguntei timidamente.

- Uma cura? – Riu-se. – Acha mesmo? O homem nem saber como criou a vacina, realmente soube.

- O que quer dizer com isso? Ele morreu?

- Não foi de todo uma morte interessante, mas se insiste, morreu numa explosão, não sobrou nem um dedo para amostra – suspirou impaciente. - Mas continuando... Quero dizer que foi tudo um acidente. Uma experiencia que correu mal, ou bem – voltou a rir-se. – Suponho que depende da perspectiva. No entanto, julgo que o meu primo, Artur, se dedicou por algum tempo ao que me pede. Mas não tenho bem a certeza o homem era doido varrido! Digo-lhe nunca vi ninguém amar como aquele homem amou aquela mulher. Muito menos no estado em que ela esta, veja só, a mulher nem fazer o servicinho no sítio certo fazia, se me entende.  Pelas palavras dele “desistira de viver, a imortalidade matara-lhe o espírito” – citou com uma entoação de gozo. – Doidos! É o que lhe digo...

- Ainda se lembra do nome dela?

- Claro! Nem que quisesse conseguiria esquecer-me de tantas vezes que o ouvi suspira-lo... Vilma Hamps’un. Porquê?

- Nada...

- Que pouco interessante me saiu... – Resmungou.

Foram as últimas palavras de Jeff Campbell.

No total passei 35 horas e 42 minutos esquecido no canto escuro do único edifício onde a justiça era lema. Fora libertado por um guarda mal encarado que ao ver-me sair pela porta ainda se rira.

Paguei a um táxi 23 sois até casa, tomei um banho rápido, vesti um fato que jazia esquecido no fim do meu roupeiro, a gravata foi o mais difícil de encontrar e os sapatos eram sem dúvida o elo mais fraco.

Quando finalmente estacionei o carro na garagem do The Empire State Billding depois de vários sobressaltos que noutro dia só despertariam em mim um bocejo, suspirei de alivio.

- Vilma W. Hamps’un, por favor.

A recepcionista franziu o sobrolho.

- Vilma W. Hamps’un – repeti.

- Desculpe, em cinquenta anos é a primeira vez que alguém sem ser o senhor Arthur Campbell a visita.

- A sério?

Por breves momentos deixei a recepcionista de cabelo loiro que parecia ter menos de trinta anos, desbobinar tudo o que sabia. Foi desanimador ouvi-la; Arthur deixarar de a visitar à nove anos, disse ainda que a última vez que o fizera saíra bastante constrangido “como se tivesse visto um fantasma” comparou.

- Enfim, talvez a velha tenha finalmente falado e dito o que ele nunca esperou ouvir.

- O quê?

- Que não o ama! Que mais poderia ser? Bem receio não lhe poder adiantar mais nada, aqui tem a chave.

 Fui recebido por um governanta que me guiou até à biblioteca. Estava sentada numa poltrona virada para a porta, onde eu ficara imóvel.

- Sei que provavelmente não me reconhece, o meu nome é Frank Aeterno’nu sou filho do Paul Aeterno’nu um amigo seu de há muitos anos.

Um pequeno sorriso assustou-me.

- Suponho que venha à procura da cura.

- Como é que sabe o que procuro se ainda nem o pedi?

- Gostava de dizer que devido à minha enorme sabedoria – esboço um sorriso. – Mas eu como todos os cidadãos de Sodinu leio jornais e você, claramente não os lê,  à anos que figura neles...

-Têm a cura?

-Tenho.

O ritmo do meu coração acelerou até um ponto quase intolerável. As pernas começaram-me a tremer e sem que desse conta num segundo estava de pé noutro de cara no chão.

- Oh homem levante-se, a imortalidade não é assim tão má e muito menos a mortalidade é assim tão boa.

- Pode-ma administrar? – Gaguejei enquanto tentava colocar-me de pé.

- Deixe-me contar-lhe algo antes, sim?

Acenei com a cabeça ainda em estado de choque.

- Há sete anos Arthur visitou-me num dia muito parecido a este, com o céu e mar unidos até ao infinito – levantou-se para se dirigir até a janela. - Está a ver? É raro o céu estar limpo e o mar sem ondulação, vê como é impossível distinguir onde um começa e o outro acaba?

- Sim é magnífico.

- Foi o que ele me disse – sorriu-me. De seguida perguntou-me se ainda queria ser mortal e colocou-me um pequeno tubo de ensaio nas mãos. Como deve imaginar explodi de felicidade e sem dizer uma palavra bebi um pouco do seu conteúdo. Depois disto só me lembro de ouvir muito longe chamarem pelo meu nome.

Depois de uma longa paragem acenou-me, pedindo que fosse ao seu encontro. Obedeci.

- O que é aconteceu?

- Morri – olhou-me nos olhos. – Durante três minutos, o suficiente para ele deixar esta sala, entrar no carro e ingerir uma droga que o viria a matar em poucos segundos. Quando acordei, e antes que me perguntes não há nada para além do nada por muito que eu o lamente, numa ambulância os médicos nem queriam acreditar. Sem os deixar fazer qualquer tipo de exame, corri para casa onde recebi a noticia da sua morte.

- Lamento imenso.

- Não lamentes, não o conheceste – suspirou. – Da pesquisa dele nada restou o seu testamento pedia que tudo fosse destruído, o ego daquela família é impressionante...

- Então quer dizer...

- Quer dizer que ou escolhes dedicar a tua vida a descobrir a fórmula ou vives com o peso na consciência. O que resta está naquela caixa em cima da secretária.

 

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Prémios SPA 2011

23.02.11

Gonçalo M. Tavares foi o grande vencedor, melhor ficção narrativa, com o seu mais recente trabalho, Uma Viagem à Índia. Depois de Dezembro, de António Carlos Cortez e A Contradição Humana,de Afonso Cruz, foram distinguidos na categoria de melhor livro de poesia e melhor literatura infanto-juvenil, respectivamente. A iniciativa da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) em conjunto com a RTP distinguiu ainda o Filme do Desassego de João Botelho como o melhor filme, deixando para trás José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, e Mistérios de Lisboa, de Raúl Ruiz. Na categoria de melhor argumento, o prémio foi para Mistérios de Lisboa. (fonte: http://mundopessoa.blogs.sapo.pt/)

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Quero ir ver...

23.02.11

 

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HEREAFTER BY CLINT EASTWOOD

17.02.11

 

A partir da primeira sequência do filme disse para mim própria "A partir daqui pode ser a maior merda, não me importo." e realmente foi.

De um ritmo quase inexistente a história avança aos poucos, escondendo o fraco argumento e as personagens insípidas.

Foi sem dúvida uma grande aposta de Clint Eastwood que será arrasada pela crítica como pela maior parte dos espectadores que não tenham qualquer elo de admiração pelo seu trabalho.

 

Titulo em português Outra Vida;

Realizado por Clint Eastwood;

Argumento por Peter Morgan;

Participação de Matt Damon, Cécile De France and Bryce Dallas Howard.

 

 

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ANGUSTIA #

17.02.11

A irritação é a teimosia, o sarcasmo é a fuga e a tristeza é o brilho no olhar que poucos vêem e ninguém percebe.

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